O fim do mundo

Não sei vocês, mas pela primeira vez, tive a sensação, um dia desses, de que eu poderia viver o fim da humanidade. Não é nem pira, nem depressão, nem crise de ansiedade, nem mesmo pessimismo. “O mundo é que é péssimo”, diria Saramago.

Região litoral de Sergipe, primavera de 2021.

O último relatório da ONU sobre mudanças climáticas, assim como infinitos textos e cartas de entidades extremamente sérias, não deixam sombra de dúvida sobre os tempos que estamos vivendo. Uma realidade que tem nome de desastre ambiental gerado pelas mãos do homem – única espécie suficientemente inconsciente para acabar com suas próprias fontes de sobrevivências. Se na década de 70, o horizonte era de 50 ou 60 anos para acabar com as energias não renováveis e desencadear uma crise ambiental sem volta… bem, agora deve ser menos de 10. Cinco, talvez…

Pois, coincidentemente, cinco anos, na França, é um mandato presidencial. Um mandato como este que está sendo disputado neste momento por um par de egocêntricos que só prometem apertar o acelerador nos trilhos que apontam pro muro. Não digo que os dois candidates são iguais. Óbvio que não. Uma é declaradamente fascista, enquanto o outro é apenas conservador de um sistema imperialista e distópico. Enquanto isso, a parcela da esquerda que tem se mostrado disposta a repensar o sistema econômico e político, e até os seus próprios privilégios (será???), decidiu dividir seus votos entre sete candidatos de partidos em extinção, deixando assim a menos de 1% do segundo turno o único que tinha alguma chance de se eleger ou, pelo menos, bagunçar o status quo com um discurso abertamente anticapitalista.

Auto sabotagem da esquerda radical? Medo de vencer? Hipocrisia de quem não quer por em prática suas ideias bonitas? Sei lá o que passa na cabeça das pessoas.

Só tenho bem aguçado o que passou na minha quando saiu o resultado do primeiro turno. Uma raiva de arder os olhos. Uma vontade de berrar por cima do oceano para ver se esse povo acorda. Por coincidência (ou não), eu me encontrava numa conferência do Leonardo Boff, aqui em Porto Alegre, quando recebi a notícia. Tentei me impregnar da paz interior desse homem incrível que, aliás, consegue expressar tudo o que estou dizendo aqui, só que com fé e esperança. Pois é preciso de muita fé, mesmo, para ter esperança numa humanidade que consome impulsivamente e joga “fora” tudo o que não quer mais, como se fosse um problema de ontem. Até a pandemia veio nos mostrar que mesmo em tempo de crise, só sabemos responder com medidas paliativas e esburacadoras de desigualdade social, sem questionar de forma alguma o nosso modo de vida enquanto civilização decadente.

Sertão de Sergipe, inverno de 2021. Foto: Cha Dafol.

Por coincidência (ou não), ando lendo também o “Banzeiro Òkòtó”, da imensamente inspiradora Eliane Brum. Mais um relato que diz muito sobre a crueldade e a insustentabilidade de um “desenvolvimento” extrativista, promovido também por esse tal de centro-esquerda brasileiro e ocidental. Acho que está na hora de deslocar o cursor do debate político e ser um pouco mais sinceros com a gente mesma. Não existe redistribuição de riqueza num sistema BASEADO na acumulação de bens e portanto FUNDAMENTALMENTE desigual. Aliás, está na hora também de repensar os próprios conceitos de riqueza e pobreza, de escutar o que os povos da Amazônia (e de tantos lugares) têm a nos dizer sobre isso. São histórias de furar o peito. O Estado gerando miséria. O ser humano num nível insuportável de desprezo por toda forma de vida.

Enfim… Por mera coincidência (ou não), num dia que eu queria me divertir um pouco, resolvi assistir “Não olhe para cima”. Pois… Divertido, sim! Bizarramente realista e extravagante ao mesmo tempo. O bicho humano pirou de vez. Pelo menos, me reconfortou um pouco sentir que somos cada vez mais a compartilhar esse pensamento.

Não durma no ponto.

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