Araucária

300 anos. É a idade que alcança, em média, uma Araucária, podendo chegar aos 700. É um bocado da história do Sul do Brasil. Muitas dessas árvores ancestrais viram desembarcar os primeiros brancos que dizimaram as suas irmãs, assim como tantas vidas que conviviam com elas.

Algumas sobrevivem até hoje em centros urbanos, escassas amostras da mata atlântica que outrora reinava nessas terras. É o caso desta, que inspirou o desenho da Ana, e se encontra no jardim do museu Joaquim Felizardo, uma das mais antigas casas de Porto Alegre, cujas paredes também são tristes testemunhas dos tempos da escravidão legalizada. A presença de bastantes galhos abaixo da copa indica que a árvore, por sua vez, não deve ter mais de 80 anos.

Pois a Araucária é assim: ela cresce e estende seus braços a procura do sol, oferecendo uma sombra gostosa na sua base, o que permite o desenvolvimento de as outras espécies perto dela. Ela é um elemento fundamental no equilibro da mata, que jamais devia ser substituído por pinus e eucaliptos que chupam a água do solo e inibam toda outra forma de vida. Não sei se existe paisagem mais triste do que esses desertos verdes de árvores importadas, plantadas com alinhamento perfeito por um bando de idiotas que acham que a natureza só existe para ser comercializada.

Mas a Araucária existe por existir. Ela é anticapitalista é anticolonial na sua essência. Ela é mato. É resistência. Apesar de muito conhecida pela cultura popular, dizem que nenhuma ciência de laboratório conseguiu ainda dominar o seu plantio e nem explicar seus ciclos. A Araucária vive e se reproduz de maneira autônoma, com cumplicidade dos papagaios que espalham suas sementes. Generosa – apesar de tudo -, seus galhos adubam o chão e acendem as nossas fogueiras. Seus pinhões saborosos ajudam humanes e macacos a sustentar o inverno, além de terem altas propriedades medicinais. Sua madeira – ainda hoje explorada de maneira ilegal – serviu para construir casas nas regiões mais frias do país. Casas que também atravessaram os séculos resistindo, à sua maneira, ao empreendedorismo imobiliário em diversos municípios da serra gaúcha.

Lembrei agora da primeira vez em que eu vi uma Araucária. Foi numa ocupação urbana onde moramos por nove meses de forma comunitária com um bando de pessoas incríveis e inspiradoras. Na época, a árvore representava uma esperança: por ser protegida, ela travava projetos de construção de um edifício no terreno. Não foi suficiente. Acabamos sendo expulsos e substituídos por um prédio de 10 andares, todo moderno e “hipster”.

Mas a Araucária ficou lá, acuada num cantinho, cercada de cimento e ódio.

Resistindo.

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